VENEZUELA AMEAÇA GUIANA; BRASIL AMPLIA PRESENÇA MILITAR NA FRONTEIRA
A intenção da Venezuela de anexar dois terços do território da Guiana instalou um clima de alta tensão na região e levou o Brasil a ampliar sua presença militar na fronteira.
O Exército mandou para Pacaraima, em Roraima, mais 60 militares. Eles vão se juntar aos 70 que mantém vigilância na fronteira com a Venezuela. O motivo é a retomada de uma antiga disputa territorial da Venezuela com a Guiana.
Com o apoio da Assembleia Nacional, controlada por ele, o presidente Nicolás Maduro marcou um referendo para este domingo (3). Os venezuelanos vão decidir se apoiam a incorporação ao país da região de Essequibo, que fica no país vizinho, a Guiana.
Essequibo tem 160 mil km² e corresponde a 70% do território da Guiana, uma antiga colônia britânica. A área é maior do que a da Inglaterra.
Essequibo, que faz fronteira com Roraima, abriga cerca de 125 mil habitantes, um terço da população do país. A área é quase toda de floresta, rica em petróleo, ouro, cobre e diamante.
Abarca quase 300 km de costa. Foi no litoral de Essequibo que empresas multinacionais descobriram, em 2015, reservas de petróleo estimadas em 11 bilhões de barris.
A disputa pelo território tem quase 200 anos. Em 1811, a Venezuela se declarou independente da Espanha. Segundo os venezuelanos, Essequibo era parte da capitania geral da Venezuela e passou a fazer parte do novo país.
Em 1814, a Holanda cedeu formalmente aos britânicos o controle da área que viria a ser a Guiana inglesa, mas o acordo não definia a fronteira ocidental, ou seja, a fronteira com a Venezuela.
Em 1835, o governo britânico começou a delimitar essa fronteira e reivindicou Essequibo.
Em 1841, a Venezuela denunciou que o Império Britânico tinha invadido seu território ao estabelecer que Essequibo pertencia à então colônia, Guiana.
Em 1899, uma arbitragem internacional em Paris deu uma decisão favorável ao Império Britânico.
Quase 70 anos depois, em 1966, com a independência da Guiana, Caracas e Londres assinaram um tratado em que reconheciam a existência de uma controvérsia pendente. Essequibo continua, até hoje, fazendo parte da Guiana.
E, em 2018, a disputa chegou à Corte Internacional de Justiça da ONU, em Haia, na Holanda, que é responsável por resolver conflitos e controvérsias entre países.
No fim de outubro, a Guiana pediu ao tribunal uma decisão cautelar de urgência para impedir o referendo. O advogado que representa o país disse que o objetivo da Venezuela é obter apoio popular para uma decisão já tomada.
A corte vai anunciar uma decisão nesta sexta-feira (1º) sobre o referendo. A Venezuela já disse que não reconhece a competência de Haia para julgar o mérito da disputa.
"Não vamos deixar que a corte retire o direito do povo venezuelano de votar", disse Maduro.
Em uma reunião dos chanceleres e ministros da Defesa dos países da América do Sul, realizada em Brasília na semana passada, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, defendeu uma solução pacífica para a disputa. O assessor especial da Presidência, Celso Amorim, já esteve em Caracas discutindo o assunto.
Nesta quinta-feira (30), a secretária do Itamaraty para a América Latina, a embaixadora Gisela Padovan, voltou a dizer que o Brasil busca o entendimento:
"O Brasil está acompanhando e mantendo, como eu digo, um diálogo construtivo em busca de uma solução bilateral ou pela corte, mas uma solução pacifica para essa questão. Porque nosso interesse realmente é não ter nenhuma questão militar e bélica na nossa região. A gente prima pela paz".
Nesta sexta, Lula deve se reunir com o presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, em Dubai, onde participa da COP28.
O professor Guilherme Casarões, afirma que o petróleo, a baixa popularidade de Maduro e a proximidade das eleições presidenciais na Venezuela motivaram a retomada da disputa: "A causa de Essequibo, que é essa região disputada entre Venezuela e Guiana, é algo que une os venezuelanos. É algo que não dá muito espaço para a oposição poder se articular, e isso também pode ser entendido como uma jogada politica às vésperas da eleição, que possa preservar os interesses do Maduro no poder também".
O professor também considera que não se pode menosprezar o risco de conflito armado:
"As perguntas que o Maduro colocou como aquelas que guiarão o referendo popular proposto por ele, anunciado recentemente para que o povo decida o que ser feito com relação a Essequibo, dão, caso aceitos pela população, uma margem de atuação que pode contemplar também a saída militar. Isso de fato é preocupante, não só para estabilidade do continente da América do Sul, mas também da perspectiva brasileira, que teria, de alguma forma, arbitrar essa situação de maneira diplomática e garantir também a preservação do nosso território nesse contexto de uma eventual guerra".
Fonte: G1