Churrascaria nos EUA que recebeu Bolsonaro sintetiza divisão da comunidade brasileira sobre presidente

    A churrascaria Steak Brasil, em Miami, onde o presidente brasileiro Jair Bolsonaro almoçou neste domingo (8), é um microcosmo das divisões políticas na comunidade brasileira nos Estados Unidos. Se nas eleições de 2018, o então candidato do PSL alcançou quase 90% da preferência desse eleitorado, hoje, a coesão do grupo já não parece tão grande.

    Com rodízio a US$ 29 por pessoa (algo próximo de R$150) e um corpo de garçons brasileiros que se revezam em passar pelas mesas espetos com diferentes cortes de carne, o local foi escolhido pelo Consulado do Brasil para recepcionar o almoço de Bolsonaro, a primeira-dama Michele, o filho e deputado federal Eduardo Bolsonaro, além de outros integrantes da comitiva, como o General Augusto Heleno, ministro-chefe do Serviço de Segurança Institucional.

Embora a reserva para 40 pessoas tivesse sido feita há semanas, foi apenas na manhã deste domingo, dia 8, que os funcionários souberam que o cliente seria Bolsonaro. A reação variou entre diferentes extremos.

    "Teve uma moça que chorou muito quando soube que era ele, precisou ficar uns 30 minutos fora pra se acalmar, depois voltou, mas pediu pra não atender à mesa do presidente. Ela é de extrema-esquerda", contou o fluminense Franklin Oliveira, de 34 anos, que há 4 trabalha como garçom na Steak Brasil.

    "Já um outro é super bolsominion (apelido dado a parte dos apoiadores de Bolsonaro), na campanha, ele até financiou do próprio bolso um outdoor pro Bolsonaro na Bahia e um segurança pra cuidar do outdoor. Então só ele e um outro ficaram como passadores de carne no salão onde o presidente estava, por uma questão de segurança". Os garçons circulam com facões afiados para cortar as peças de carne, daí a especial preocupação com o acesso ao presidente, que durante a campanha de 2018 foi recebeu um golpe com faca que lhe perfurou o intestino.

    "Eu mesmo sou centro-esquerda, sou Ciro Gomes. Mas mesmo assim pra mim foi um prazer receber o representante do governo brasileiro aqui. Eu não queria nem ele, nem o PT, o Brasil está vivendo uma polarização muito grande, eu sabia que quem ganhasse não ia ter sossego. Aí tu vê, hoje a gente tem um ministro da Educação que não sabe português, a gente tem um ministro do Meio Ambiente que foi condenado por problemas ambientais e a gente tem um embaixador do Turismo preso com passaporte falso no Paraguai, que é o Ronaldinho Gaúcho", enumerou Oliveira.

    Questionado se havia feito essas críticas a Bolsonaro, ele respondeu de pronto: "Eu não, eu sou profissional. Você acha que eu ia chegar na cara dele e gritar Lula Livre? Eu não, mas quando o Lula foi solto eu soltei fogos", conta Oliveira, que se dedica à literatura em sua página Romancista Iludido, quando não está em meio aos espetos.

    Segundo o garçom, ele deve a Lula sua ida aos Estados Unidos. Nascido e criado em Chatuba de Mesquita, afirma ter passado fome na infância, mas diz que a família prosperou nos anos Lula e que, graças ao financiamento estudantil do governo federal, pode cursar pedagogia na Estácio de Sá. Ali conseguiu um estágio em uma empresa na qual conheceria a cubana com quem se casou e mudou para os Estados Unidos.

Deportação de brasileiros

    Se para Oliveira, Lula é, como ele diz, um "crush", para a evangélica Márcia Romero, o governo petista foi responsável por "estragar" o povo brasileiro. "As pessoas acham que tem direito a tudo, mesmo sem produzir nada", comenta a auto-declarada eleitora de Bolsonaro, que mora em Orlando há 24 anos.

    Romero desenvolve um trabalho voluntário com imigrantes indocumentados — especialmente brasileiros e hispânicos. Sua organização capta fundos para custear ao menos em parte tratamento de saúde para pessoas que não possuem seguro saúde. Não há opção de atendimento de saúde público nos Estados Unidos e procedimentos simples, como uma radiografia, custam centenas ou mesmo milhares de dólares.

    Uma de suas mais recentes beneficiárias foi uma brasileira com três filhos que atravessou a fronteira dos EUA com o México há cerca de um ano. Segundo Romero, uma das crianças estava com uma série de cáries nos dentes e outra era autista. "Essa mãe já teve várias audiências com o juiz de imigração e continuam apenas pedindo para ela retornar a cada dois meses. Não sei o que Deus está preparando para ela", diz Romero, que é favorável à deportação sumária de brasileiros que estejam ilegais nos Estados Unidos.

    Desde outubro, o Brasil autorizou que o governo de Donald Trump remeta ao país aviões com brasileiros expulsos dos Estados Unidos, o que não acontecia há mais de uma década. A imigração via fronteira terrestre de brasileiros aumentou cinco vezes de 2018 para 2019, segundo o serviço de controle de fronteira americano.

    "O Trump quer arrumar a casa dele e tem toda a razão. Aqui em Orlando a gente só vê latino, quase não houve inglês, um trânsito danado. Coitado do Bolsonaro, está voltando para casa toda a porcaria que veio de lá", afirma Romero.

    Há mais de três décadas em Boston, a brasileira Heloísa Maria Galvão, co-fundadora de uma organização dedicada a apoiar brasileiros sem documentos nos Estados Unidos, não poderia discordar mais de Romero. "Perto do Bolsonaro eu só chego se for pra fazer protesto. Deus me livre! O governo brasileiro hoje trabalha pelos interesses dos americanos, então eu não tenho nada para falar para essa pessoa", diz Galvão.

    Massachussets e Flórida são os dois Estados com maior concentração de brasileiros, cerca de 800 mil dos 1,3 milhão que residem em território americano. Em sua quarta viagem ao país desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro ficará apenas na Flórida dessa vez.

    "Vai ser a primeira vez em 34 anos que moro aqui que um presidente vem se encontrar com a comunidade brasileira, é histórico e a gestão dele é excepcional", afirma o pastor Leidmar Lopes, presidente da Associação de Pastores do Sul da Flórida, que organiza nesta segunda um evento com 280 pessoas — entre as quais, muitos pastores — para cumprimentar Bolsonaro. Para ele, "os deportados brasileiros são pessoas com registros criminais".

Dólar em alta

    "R$ 4,50 o dolar é pra quebrar qualquer um. Galera, por favor, me avisem quando tiverem passeatas e encontros, temos mesmo que nos unir pra tentar salvar o "resto" que ainda tem do Brasil". A mensagem em tom desesperado não é das últimas semanas, quando a cotação do dólar turismo chegou quase aos R$ 5.

    O comentário foi deixado há quatro anos em uma foto da página de Facebook chamada Brasileiros em Miami, que retratava protestos a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, do PT. Na época, o dólar turismo estava próximo aos R$ 4. Dado que o Brasil é o principal parceiro comercial da Flórida, a flutuação na cotação impacta a economia do Estado e, especialmente, a vida dos brasileiros.

    "Houve uma euforia com a eleição do Bolsonaro, mas agora já não está tão assim. Tenho colegas que dependiam da renda do Brasil e que não conseguiram sustentar seu estilo de vida aqui, acabaram voltando. Pra quem precisa trazer dinheiro do Brasil, não está fácil. Em casa reduzimos o consumo, não pode ter luxo, almoça em casa mesmo, a gente tem que se adequar. Não dá pra vir pra cá com ilusões", afirma a empresária Priscilla Oliveira, que mora com a família em Orlando há três anos e meio.

    Dona de uma empresa de investimentos em imóveis na região, ela viu a procura dos clientes reduzir nos últimos tempos e atribui ao dólar essa mudança. Mas ainda acha cedo avaliar como negativa a performance do presidente com base nisso.

    Uma questão crítica para Priscilla, no entanto, é a quantidade de concessões que ela acredita que o governo brasileiro fez em favor de uma aproximação com os americanos: de isenção de visto a vantagens comerciais, ela acha que, na conta, Trump está levando vantagem na amizade.

"Às vezes eu acho que o Bolsonaro dá demais aos americanos e de menos para os brasileiros", diz.

    "Não sei o que o Bolsonaro vê nesse Trump, acha ele o máximo. Mas não é isso que vai mudar a situação do Brasil", opina Maria Inês Dal Borgo, vice-presidente do Centro Cultural Brasileiro em Miami. Apesar disso, Dal Borgo se diz fã do presidente, e o isenta de responsabilidade sobre a desfavorável cotação do dólar.

Mesma opinião de Romero: "Depois do que fizeram com o país, vai demorar mesmo para arrumar".

    Ela, no entanto, reconhece o impacto da questão cambial na vida dos imigrantes. "Tenho uma amiga aposentada pela Varig, que vive desse dinheiro do Brasil. Ela agora vai ter que colocar um roommate em casa pra fechar as contas", diz. Ela mesma, aposentada com um salário mínimo no Brasil, diz que agora o dinheiro só dá pra fazer as unhas e o cabelo uma vez no mês. No caso de Romero, A questão não abalou seu apoio à Bolsonaro, até porque ela se beneficia do dólar caro quando envia dinheiro ao Brasil.

    Para o garçom Oliveira, no entanto, a resiliência dos apoiadores tem diminuído aos poucos nos últimos meses. "Quando o Presidente veio se servir aqui no buffet de saladas, algumas mesas do salão puxaram um coro de "mito", mas rapidinho passou. Antes, seria uma gritaria de 10 minutos", conta.

    Para o pastor Arno Zitta, um dos que bradava "mito" na churrascaria, a percepção de Oliveira é só intriga da oposição. Há 19 anos ele deixou o Rio Grande do Sul desiludido. Nos últimos dias, circulava pelas ruas de Miami com um caminhão de LED com imagens de Bolsonaro e frases de apoio ao presidente: "Bolsonaro é diferente, fez campanha voluntária, só ele pra mudar alguma coisa no Brasil", diz.

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